Será que dessa vez conseguiria? Era o que Lux se perguntava em frente ao seu reflexo no espelho velho da casa dos avós.
Ela já havia tentado antes, é fato, mas ela não só não era de desistir fácil como também não sabia todo o peso que essa palavra tinha para as outras pessoas. Não que ela nunca tivesse desistido de algo ou simplesmente fracassado, mas o amor cujo qual crescera rodeada não dava a ela a chance de sequer pensar nesses sentimentos negativos que tanto ocupavam a mente e a vida das pessoas.
Lux sabia que não podia deixar-se por coisas levianas ou perder a concentração no que estava fazendo. Talvez esse fosse o momento mais importante de sua vida de doze anos caso conseguisse fazer o que desejava tanto conseguir. Antes desse dia o campeão era o dia em que ela conhecera o menino bruxo em seus sonhos dizendo que ela era uma bruxa nata e que chapéu seletor ou carta nenhuma poderiam comprovar isso.
Apenas ela e seu coração que acreditava fielmente em tudo o que lhe diziam, mas dessa vez era verdade. Tinha que ser.
Seus sonhos nunca a fizeram de boba ou lhe revelaram mentiras. Ela sentia que a magia em sua pele e não podia ser nada além da mais pura verdade.
Continuou olhando firmemente para o espelho, com a intenção de focar-se apenas em si mesma e de não perder nada o que pudesse escapar a seus olhos. Contou um, dois, três e pulou, tentando pôr o corpo ainda mais para cima e tomar o teto com sua mão.
Mas sequer conseguira passar da metade da altura do armário grande e velho de seu avô. Decidiu tentar outra vez.
Dessa vez contou até cinco, na esperança de que, caso desse mais tempo para que a magia entendesse que Lux precisava dela, ela talvez parasse de birra e revelar-se como uma flor ao desabrochar na primavera.
Agora, decidira contar até dez. Mas nada aconteceu outra vez.
Contou até quinze, e nada.
Até vinte, e nada.
Cansada, sentou-se no chão de madeira e, ao fechar os olhos, começou a contar apenas para poder relaxar e voltar ao equilíbrio consigo mesma.
E um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete e algo estralou no recinto. Pensando bem o barulho poderia ser o de uma porta escancarada abrindo-se, o que fez com que a menina pensasse no gato persa da família, o Gilbert, passando pela porta para poder deixar-se no tapete que ficava perto da cama.
Ainda de olhos fechados, começou a contar de novo e, ao chegar em sete novamente, outro som soou pelo quarto, mas talvez ainda fosse a porta e ela se pôs a contar tudo a partir do zero novamente.
Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete… quando a menina sentiu algo entrar em contato com a sua cabeça. Foi quando abriu os olhos e pode olhar ao redor do quarto – e até para baixo dele, onde só havia o piso, o tapete no canto e o gato que realmente entrara pela fresta da porta e olhava para a menina sem entender o que estava acontecendo.
Lux estava perplexa, mas feliz. Muito mais feliz do que a altura em que estava pois aquele momento era a prova de que tudo era verdade.
A magia existia? Com total e completa certeza e ela podia provar. Mas como faria isso? Pensou, já um pouco atônica pois sequer sabia como fazer para pôr tudo no chão; talvez estralando os dedos, que nem aquele elfo do filme? Ou será que era algo mais complexo e exigia que ela dissesse palavras em latim ou algo assim?
A menina apenas conhecia o português, sua língua mãe, e algumas cores em inglês. Talvez se ela falasse amarelo em voz alta funcionasse. Vira uma vez um programa de desenho animado onde as personagens criavam seus próprios feitiços e resolvera tentar.
Olhou ao redor da sala, a mobília toda batendo no teto; encheu os pulmões de ar e gritou “AMARELO”, mas o resultado foi pura e simplesmente nada. Talvez se tentasse outra cor? Ou que tal em inglês?
Enchendo os pulmões novamente, lá fora ela:
“AZUL”, nada.
“VERDE”, nada,
“YELLOW”, nothing.
“LARANJA” e nada, apenas fome ao lembrar-se da fruta e do seu gosto, afinal estava chegando perto da hora do almoço e naquele dia teria suco de tangerinas colhidas atrás da casa.
Precisava pensar em algo, e depressa.
Depois de mais um tempinho pensando deitada no ar e quando uma ideia estava começando a nascer em sua cabeça, ela pode ouvir paços no corredor e seu nome saindo da boca do avô.
Tomada pelo medo, pois os paços chegavam cada vez mais perto da porta, foi quando tudo voltou ao normal – como num passe de mágica.
*
O despertador tocara no móvel ao lado da cama, tirando Lux de seus sonhos onde, pela primeira vez, a garota havia sido ludibriada.
Depois de um tempo ainda deitada e olhando para o teto, a menina se levantou da cama ao ouvir a voz do avô a chamando para o café da manhã. Parece que até a parte do suco era mentira.
Resmungando um pouco por conta do horário e do estomago vazio, a menina calçou os chinelos e saiu do quarto, deixando a porta escancarada e sem perceber que tudo estava três centímetros acima do chão.